domingo, 15 de junho de 2008

Dor

A dor, fenômeno complexo que envolve sensações e mecanismos fisiológicos, comportamentais e psicológicos importantes, é uma qualidade sensorial fundamental que alerta os indivíduos para a ocorrência de lesões teciduais, permitindo que mecanismos de defesa ou de fuga sejam adotados. A dor é um efeito extremamente necessário, já que é o sinal de que alguma lesão está ocorrendo. A dor é uma sensação associada a um processo destrutivo atual ou potencial dos tecidos que se expressa através de uma reação orgânica e emocional. A informação dolorosa é captada por receptores nociceptivos, que respondem a sinais como calor, frio, pressão e substâncias químicas endógenas. Os receptores nociceptivos transmitem os estímulos dolorosos sob a forma de impulsos elétricos para a medula espinhal através de fibras sensoriais. A somatória de vários impulsos pode desencadear um potencial de ação nesta, transmitindo assim através de várias sinapses o estímulo até o cérebro. Em alguns casos, o sinal desencadeia uma resposta reflexa ao chegar à medula espinhal. Quando isto ocorre, um sinal é imediatamente reenviado ao longo de nervos motores até o local da dor, e uma contração muscular é desencadeada. Entretanto, somente quando o cérebro processa o sinal e o interpreta como dor é que o indivíduo passa a ter uma percepção consciente dela.

Os receptores da dor e suas vias nervosas diferem nas diferentes partes do corpo. A intensidade com que pessoas diferentes sentem e reagem a situações semelhantes causadoras de dor é bastante variada. Esta variação deve-se não tanto a uma ativação diferente das vias da dor mas a uma diferente ativação nos indivíduos das vias anestésicas naturais. A capacidade de tolerar a dor varia de acordo com o humor, a personalidade e as circunstâncias. A percepção da dor pode inclusive mudar com o decorrer dos anos. À medida que os indivíduos envelhecem, eles queixam-se menos da dor, isso ocorre, pois as alterações do organismo decorrentes do envelhecimento reduzem a sensibilidade à dor e porque essas pessoas tornam-se mais tolerantes à dor que os indivíduos mais jovens. Existe também a inibição da via que leva o estímulo doloroso até os centros superiores. Os impulsos elétricos transmitidos pelos receptores nociceptivos geram a liberação de neurotransmissores como a serotonina e a beta-endorfina, que agem sobre o sistema de transmissão da dor diminuindo a sensação dolorosa. Assim, o impulso originário da região estimulada só chega ao cérebro se este impulso for mais intenso que a inibição que ocorre continuamente. Este tônus de inibição serve para evitar que o individuo sinta dor desnecessária.

Para efeito de classificação médica, a dor é dividida em duas categorias. Elas são as agudas, que têm duração limitada e causas conhecidas, e as crônicas, que duram mais de três meses e têm causa desconhecida ou mal definida. Esta última categoria de dor aparece quando o mecanismo de dor não funciona adequadamente ou quando doenças associadas a ele tornam-se crônicas.

Há basicamente três tipos de estímulos que podem levar à geração dos potenciais de ação nos axônios desses nervos. Eles são:

· Variações mecânicas ou térmicas;

· Fatores químicos;

· Fatores liberados pelas células inflamatórias como a bradicinina, a serotonina, histamina e as enzimas proteolíticas.

Para o envio da informação dolorosa para os centros da dor no cérebro existem duas vias neurais ascendentes, elas são o trato espinoreticulotalâmico ou paleoespinotalâmico (filogeneticamente antigo, de condução lenta e que cursa medialmente no tronco cerebral), e o trato espinotalâmico ou neoespinotalâmico (filogeneticamente novo, de condução rápida e que cursa lateralmente no tronco cerebral). A via do trato neoespinotalâmico é iniciada por estímulos mecânicos e térmicos principalmente. Ela utiliza neurônios de axônios rápidos (de grande diâmetro). Esta é a via que produz a sensação da dor aguda e bem localizada, e ela dura somente enquanto há o estímulo desencadeador. A via do trato paleoespinotalâmico é iniciada pelos fatores químicos. Ela utiliza axônios lentos (diâmetro reduzido). Esta via produz, no indivíduo, dor contínua e mal localizada, e a sensação dura mesmo na ausência do estímulo desencadeador. Se, por exemplo, um individuo sofrer um golpe, a via de condução da dor é a rápida e ocorre devido às forças mecânicas que estiraram o tecido conjuntivo onde se localizam receptores de dor. Essa dor dura um tempo curto. Entretanto, à medida que o tecido morre, que extravasa o conteúdo celular e que chegam à região danificada as células inflamatórias, a dor que permanece é a dor lenta. A dor mais significativa do ponto de vista terapêutico é quase sempre aquela que é produzida pela via lenta. As sensações de dor localizadas e de limitada duração que são produzidas pela via rápida servem para o organismo afastar-se do agente nocivo.

A teoria da comporta espinhal da dor explica que a dor depende do somatório da estimulação sensorial e não apenas da descarga de receptores especializados da dor. Também explica que a sensação da dor está sujeita a controle central capaz de modular a transmissão da informação dolorosa, o que pode influenciar na percepção da dor. A área que sofre injúria envia para a medula espinhal informações sobre as características do estímulo aplicado por meio das fibras grossas, e informação sobre a intensidade do estímulo através das fibras finas. Ao nível da substância gelatinosa, as fibras finas estimulam células que potencializam a atividade das células transmissoras da dor, abrindo a comporta, e as fibras grossas estimulam um tipo de célula que inibe as células transmissoras da dor, fechando a comporta.

O limiar de dor fisiológico, semelhante na maioria dos indivíduos, pode ser definido como o ponto em que um dado estímulo é reconhecido como doloroso. Limiar de tolerância é o momento em que o estímulo alcança tal intensidade que não mais pode ser aceitavelmente tolerado. Difere do fisiológico porque varia conforme o indivíduo e a ocasião e é influenciado por fatores culturais e psicológicos. Resistência à dor seria a diferença entre os dois limiares. Esta expressa qual a amplitude de estimulação dolorosa que o indivíduo pode aceitavelmente resistir e também é modificada por traços culturais e emocionais. A modulação da resposta comportamental à dor cabe ao sistema límbico.

Os corpos dos neurônios primários da dor localizam-se nos gânglios espinhais e no gânglio trigêmeo. A maioria dos neurônios de segunda ordem, entretanto, situa-se no corno dorsal da medula e no núcleo espinhal do trigêmeo, onde recebem as sinapses dos aferentes de primeira ordem e de outros aferentes, formando, então, pequenos circuitos locais que são de grande importância para a percepção final da dor. Algumas fibras de segunda ordem projetam aos neurônios da formação reticular, encarregada de criar um estado fisiológico e psicológico de alerta no indivíduo. Outras fibras projetam ao hipotálamo, onde estão situados neurônios secretores ou controladores da secreção hormonal das glândulas endócrinas e neurônios que participam do controle do funcionamento das vísceras. Outras fibras ainda projetam a núcleos do sistema límbico, alguns deles situados também no tálamo, criadores de diferentes reações comportamentais e subjetivas de conteúdo emocional. Neste caso, as informações nociceptivas acabam chegando também a uma região cortical diferente da área somestésica, responsável pelo conteúdo emocional de uma experiência dolorosa. Trata-se do córtex cingulado anterior.

Classificação da dor

Quanto ao tipo:

Referida ou irradiada: Sentida em local diferente da sua origem e esta é visceral. Ramos das fibras viscerais fazem sinapse na medula com os neurônios que inervam a pele.

Projetada: Não há comprometimento do receptor e sua origem é pela estimulação da via. A atividade nas fibras aferentes é projetada ao sistema nervoso central e há sensação na região do corpo em que a fibra aferente inerva.

Fantasma: Ocorre em membros não mais pertencentes ao corpo. A atividade de axônios sensoriais do membro amputado é julgada pelo sistema nervoso central como do membro ausente.

Quanto à duração:

Aguda: Tem causa bem definida e um tempo característico. A dor desaparece após a cura da injúria.

Crônica: Permanece após a cura, é proveniente de impulsos anormais não inibidos e é influenciada por reações emocionais e neuro-vegetativas.

Quanto à fisiopatogenia:

Nociceptiva: Há ativação dos nociceptores na pele ou nos tecidos do

corpo em resposta a um dano.

Neuropática: Há lesões no sistema nervoso central ou sistema nervoso periférico.

Psicogênica: Possui origem psicológica e não há ativação de nociceptores ou de vias sensoriais.

Hanseníase: A hanseníase ou mal de Hansen é uma doença infecto-contagiosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que afeta os nervos e a pele e que provoca danos severos. O tempo de incubação após a infecção é de 2 a 20 anos. As pessoas devem ficar atentas aos primeiros sintomas da doença, os quais são manchas na pele que não doem, não incomodam e não coçam; dormência; formigamento; queda de pêlos no local e insensibilidade. A transmissão da hanseníase acontece pelas vias respiratórias e, algumas vezes, pelo contato com lesões na pele. A hanseníase não mata, mas pode deixar seqüelas graves como atrofia e paralisia das mãos e pés. Um dos primeiros efeitos da hanseníase, devido ao acometimento dos nervos, é a supressão da sensação térmica no local afetado. Posteriormente, pode evoluir para diminuição da sensação de dor no local por causa de lesões nas terminações nervosas. Isto faz com que, com o passar do tempo, ocorram lesões que podem vir a desfigurar o portador.

Curiosidades: O feto começa a sentir dor a partir da 28ª semana. Quando se usa calor como fator de estimulação, o limiar doloroso para o homem situa-se em torno dos 44°C. Na mesma experiência, o limiar de tolerância alcança os 48°C. Pesquisadores do Instituto Pasteur (França) descobriram um novo analgésico secretado naturalmente na saliva do homem. Este foi batizado com o nome opiorfina. Segundo os pesquisadores, a opiorfina, injetada em ratos, se mostrou até seis vezes mais eficaz que a morfina. O mecanismo de ação da opiorfina é protegendo as encefalinas da degradação, permitindo-lhes continuar ativas por mais tempo.

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom :D

Wésley - Brad disse...

Ótimo texto!
Conciso e esclarecedor.

Nana Queiroz disse...

Texto claro, de fácil entendimento.
Parabéns!!!

FISIOFTC2010.2 disse...

Exelente trabalho,maravilhosa sintese de um assunto tão extenso sem perda de informações. "Pessoas como voce enriquecem o mundo virtual e real!"
PARABÉNS!!!

Branca disse...

Perfeita explicação. Simples e objetiva.